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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Saudade de Collor

Nunca imaginei que diria isso: mas tenho SAUDADE de Fernando Collor de Melo.
Em 1989, aos vinte e poucos anos, vivi com intensidade - a intensidade de quem tem vinte e poucos anos - a primeira eleição presidencial da minha vida.
Há muito não havia sequer sinais de "ditadura": eleições livres e pluripartidárias já tinham acontecido em 1982, para governador (Lula e Brizola foram candidatos, este último eleito no Rio) e em 1985, para prefeitos de capitais.
Mas 89 foi especial: elegeríamos um presidente! Militei de forma apaixonada na campanha do ex-metalúrgico do ABC, em cujas mãos depositávamos toda a esperança de viver em um país mais justo. Após o primeiro turno das eleições, demoramos UMA SEMANA para saber quem - Lula ou Brizola? - disputaria com Collor o segundo e decisivo turno.
Num domingo à noite, quando enfim soube-se que Lula havia vencido por uma margem mínima, houve uma enorme festa na Avenida Paulista. Na escadaria da Cásper Líbero, eu abracei José Genoíno, enlouquecido, suado e vestido com uma horrorosa camisa cor de laranja, fumando e falando feito louco. Marta Suplicy e a prefeita Erundina também estavam lá.
Com as alternativas mais moderadas e palatáveis - como o então senador Mário Covas - fora do jogo, todo mundo que se considerava "avançado" abraçou a candidatura de Lula nas semanas seguintes. O comício da Praça Charles Müller, com Chico Buarque aparecendo no final e cantando Gota d'Água, sozinho, com um violão desafinado, diante de 400 mil pessoas foi - e segue sendo - uma das cenas mais emocionantes que presenciei na vida.
"Deixe em paz meu coração que ele é um pote até aqui de mágoa" - todos ali, sentados no chão e em silêncio, queriam dizer exatamente essa frase.
Collor eleito, após uma campanha cheia de sujeira, foi uma enorme decepção. Muita tristeza naquele final de ano.
Empossado, tentou implantar um plano econômico tresloucado para conter a hiperinflação (você que tem menos de 35 anos é capaz de nem saber o que é isso). Deu tudo errado. Mas, muito além disso, Collor desagradou a muitos poderosos, acostumados ao nosso capitalismo de compadrio; desagradou muitíssimo também à "classe artística", ao extinguir a Embrafilme (como parte do PND - Plano Nacional de Desestatização) e, por consequência, ter paralisado TODO o cinema brasileiro que, desde sempre, só existe se for bancado pelo estado.
Collor era um ladrão; mas era um ladrão pé de chinelo, sozinho, sem partido, sem militância, à frente apenas de um bando de cangaceiros alagoanos, uma gente esquisita, sem modos, de quem ninguém gostava. Os mesmos interesses que o ajudaram a chegar à presidência, rapidamente o arrancaram de lá. Ele não valia nada, era um porcaria, uma figura ridícula, apeá-lo do poder foi fácil e rapidinho (e não me venham falar em "caras-pintadas", não me façam rir, por favor).
Mas ao perceber que o impeachment era inevitável, Collor renunciou; mandou Rosane colocar uma roupinha bonitinha e saíram os dois de cena, com seus narizinhos em pé, a bordo de um helicóptero.
Aí foram correndo chamar o Itamar, que estava em casa dormindo; e ele chegou todo amarrotado e descabelado no Congresso pra assumir a Presidência da República. O resto é história.
Durante oito anos, com os direitos políticos cassados, embora até tenha tentado espernear, Collor recolheu-se ao ostracismo: não atrapalhou o país, não tentou inviabilizar o Plano Real (que, por fim, consertou a economia nacional), não mandou colocar fogo em nada, não liderou "manifestantes" que depredam lojas e perturbam a vida de quem quer e precisa trabalhar.
Collor teve muito mais DIGNIDADE do que essa criatura parva, decrépita, boçal, mentirosa, arrogante, desonesta, caricata, egocêntrica e incompetente da qual nos livramos há poucos dias; mesmo porque seus planos criminosos eram muito mais modestos do que o da quadrilha da qual ela era apenas uma laranja.
Em 2000 - oito anos após ter seus direitos políticos cassados, apesar da renúncia - Fernando Collor fez uma tentativa patética de se eleger prefeito de São Paulo. Mas só conseguiu voltar à vida pública em seu curral eleitoral; e à cena nacional após se abraçar em palanque com o coroné de todos os coronés - aquele mesmo, o que foi seu adversário no segundo turno de 1989 -, de quem ganhou um pedacinho da Petrobras para roubar.
Se tudo correr como esperamos, a Operação Lava Jato ainda há de condenar e encarcerar Fernando Collor, comparsa que foi (ainda que pequeno) do maior caso de corrupção da história da humanidade.
Porém, é preciso ser justo com ele em um ponto: tanto seu breve governo, quanto seu processo de impeachment causaram prejuízos MUITO menores ao país do que ISSO que estamos presenciando agora.
Collor é ladrão e eterno parasita da máquina pública.
Mas APENAS isso.

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